Estou em alguma viela de Montevideo, acompanhado de Carlos Gardel e Eduardo Galeano. A copa do mundo, essa mesmo realizada no Catar, está prestes a começar. Galeano, meu xará, confessa que está torcendo pelo Brasil. Rapidamente ele se justifica: “sempre torci pelo futebol bonito, aquele de encher os olhos. No passado foi Pelé e Garrincha. Hoje é Neymar e Vinicius Júnior”, diz Galeano
Gardel por sua vez não esconde o amor à pátria Uruguai. Acredita piamente que a celeste tem grandes chances de trazer o título para o extremo sul da América do Sul. “A conquista será uma milonga repleta de reviravoltas. O tricampeonato é inevitável!”, cravou Gardel, com os olhos marejados.
E quanto a mim? Bem, eu temo pelo pior: a Argentina de Messi se sagrar campeã.
Nossos hermanos estão mais fortes do que nunca. Uma mescla de experiência e qualidade. E convenhamos: Messi merece uma copa do mundo em seu currículo, ainda que doa escrever isso.
Diante do meu sofrimento, Gardel compõe um tango, tão sofrido quanto o sentimento daquelas tantas e tantas almas que estavam na final da Copa de 1950, no Maracanã, contra o seu Uruguai.
Galeano me conforta, dizendo que o penar é parte do renascimento da alma. Feito a fênix, ela ressurge ainda mais forte.
Então sofro, até a última gota de seu amargo veneno.
Gardel sorri, pois reconhece esse sentimento que serve de uma fonte inesgotável para sua arte.
Enquanto Galeano se compadece e me abraça. “O vento que sopra no deserto é o mesmo que me confessou um segredo: o futebol está cansado do pragmatismo europeu. A taça está voltando para casa…”
O despertador toca e já não estou mais na companhia de Gardel e Galeano. E muito menos perambulo pelo Uruguai. Estou na minha cama, no interior do Rio Grande do Sul, ainda temendo que aquele baixinho de um metro e sessenta e nova centímetros consiga refazer a rota original da taça e desvia-lá para Buenos Aires.